Receber um diagnóstico de câncer de mama é um momento desafiador, e para mulheres jovens, surge uma preocupação adicional: “Poderei ser mãe no futuro?”. Esta é uma dúvida legítima e carregada de esperança. Como mastologista, vejo diariamente o impacto emocional dessa questão nas minhas pacientes. A boa notícia é que a ciência tem avançado significativamente, e hoje podemos falar sobre maternidade após o câncer de mama com muito mais segurança e otimismo.
O que sabemos sobre gravidez após o câncer de mama?
Por muito tempo, existiu o receio de que a gravidez, por suas alterações hormonais naturais, pudesse aumentar o risco de recidiva do câncer de mama. Porém, pesquisas recentes têm mudado essa perspectiva.
O Estudo POSITIVE (Pregnancy Outcome and Safety of Interrupting Therapy for Women with Endocrine Responsive Breast Cancer) trouxe evidências animadoras. Este estudo multicêntrico internacional acompanhou mulheres jovens com câncer de mama hormônio-positivo que interromperam temporariamente a hormonioterapia para engravidar.
Os resultados são promissores:
- A pausa na hormonioterapia, quando bem planejada, não parece aumentar o risco de recidiva
- A gravidez em si não está associada a um maior risco de retorno da doença
- Muitas mulheres conseguiram realizar o sonho da maternidade com segurança
É importante ressaltar que cada caso é único. A viabilidade e segurança de uma gravidez dependem de:
- Tipo de câncer de mama (receptor hormonal, HER2, triplo-negativo)
- Estágio da doença no diagnóstico
- Tratamentos realizados (cirurgia, quimioterapia, radioterapia)
- Tempo decorrido desde o diagnóstico
- Estado atual de saúde
Como o tratamento do câncer de mama pode afetar a fertilidade?
Antes de falarmos sobre gravidez, precisamos entender como os tratamentos podem impactar a fertilidade:
1. Quimioterapia
- Pode diminuir a reserva ovariana e a produção de óvulos
- O impacto varia conforme a idade (mulheres acima de 35 anos têm maior risco de infertilidade permanente)
- Alguns quimioterápicos têm maior impacto na fertilidade que outros
2. Hormonioterapia
- Tratamentos como tamoxifeno e inibidores de aromatase bloqueiam a ação dos hormônios e podem impedir a ovulação
- São geralmente prescritos por 5-10 anos, adiando a possibilidade de gravidez
3. Radioterapia
- Quando direcionada à região pélvica, pode afetar a função ovariana
- A radioterapia exclusiva na mama geralmente não compromete a fertilidade
4. Cirurgia
- A remoção dos ovários (quando indicada) leva à infertilidade permanente
- As cirurgias na mama não afetam diretamente a fertilidade
Opções para preservação da fertilidade: planejando a maternidade futura
Se você recebeu um diagnóstico de câncer de mama e deseja ser mãe no futuro, converse imediatamente com seu oncologista sobre opções de preservação da fertilidade. Idealmente, estas estratégias devem ser realizadas antes do início do tratamento:
1. Congelamento de óvulos
- Considerado o método mais eficaz
- Envolve estimulação hormonal e coleta de óvulos
- Os óvulos são congelados para uso futuro
- Pode demandar 2-3 semanas para o processo completo
2. Congelamento de embriões
- Similar ao congelamento de óvulos, mas os óvulos são fertilizados com espermatozoides antes do congelamento
- Oferece boas taxas de sucesso
- Requer um parceiro ou doador de esperma
3. Criopreservação de tecido ovariano
- Opção para quem não pode esperar o tempo necessário para outros métodos
- Uma parte do ovário é removida e congelada
- Após a conclusão do tratamento, o tecido pode ser reimplantado
- Ainda considerada experimental, mas com resultados promissores
4. Proteção ovariana durante a quimioterapia
- Medicamentos como agonistas de GnRH (Goserelin/Zoladex) podem ser administrados para “adormecer” os ovários durante a quimioterapia
- Reduzem o risco de dano ovariano
- Podem ser uma opção quando outras técnicas não estão disponíveis
Quando é seguro tentar engravidar após o tratamento?
Esta é uma dúvida frequente no consultório. De modo geral, recomendamos:
- Esperar pelo menos 2-3 anos após o término do tratamento, período em que o risco de recidiva é maior
- Para pacientes em hormonioterapia, o estudo POSITIVE avaliou a possibilidade de pausa após 18-30 meses de tratamento inicial
- A decisão deve ser individualizada e tomada em conjunto com a equipe médica, considerando o tipo de tumor e o risco de recidiva
E se não consegui preservar minha fertilidade?
Se você já concluiu o tratamento e está enfrentando dificuldades para engravidar, existem alternativas:
1. Reprodução assistida com óvulos doados
- Permite a experiência da gestação mesmo sem seus próprios óvulos
- Os óvulos de uma doadora são fertilizados e o embrião é implantado em seu útero
2. Gestação por substituição (barriga solidária)
- Uma opção quando a gravidez não é recomendada por questões médicas
- Regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina no Brasil
3. Adoção
- Uma forma significativa e transformadora de construir uma família
- Independe da capacidade reprodutiva
Como planejar sua jornada rumo à maternidade após o câncer
Se você sonha com a maternidade após o câncer de mama, aqui estão alguns passos importantes:
1. Comunique seu desejo à equipe médica desde o início
- Isso permite um planejamento adequado do tratamento, considerando a preservação da fertilidade
2. Consulte um especialista em reprodução humana
- Idealmente antes de iniciar o tratamento oncológico
- Um especialista pode avaliar sua reserva ovariana e discutir as melhores opções
3. Mantenha um estilo de vida saudável
- Alimentação equilibrada, atividade física regular e controle do estresse
- Evite tabaco e álcool, que podem impactar negativamente a fertilidade
4. Busque apoio emocional
- O caminho pode ser desafiador emocionalmente
- Grupos de apoio, psicoterapia e o suporte familiar são fundamentais
5. Seja paciente e mantenha a esperança
- O processo pode levar tempo e ter altos e baixos
- Muitas mulheres conseguem realizar o sonho da maternidade após o câncer
Conclusão: Esperança baseada em evidências
O estudo POSITIVE e outros avanços científicos nos permitem hoje transmitir uma mensagem de esperança baseada em evidências: sim, é possível ser mãe após o câncer de mama. Com planejamento adequado, acompanhamento médico especializado e as estratégias corretas de preservação da fertilidade, muitas mulheres estão realizando o sonho da maternidade após vencerem o câncer.
Lembre-se: seu oncologista e um especialista em reprodução humana são os melhores guias nesta jornada. Eles podem avaliar seu caso específico e indicar o melhor caminho para você.
A maternidade após o câncer de mama não é apenas um sonho distante – para muitas mulheres, é uma realidade possível e segura.
Compartilhe este artigo com quem possa precisar dessa informação. O conhecimento é uma ferramenta poderosa na jornada contra o câncer e na realização de sonhos que vão além dele.